O Vento

Gostava de parar naquele campo e esperar o vento, sempre, na hora marcada ele vinha trazendo notícias de longe, as vezes zunindo delicadamente, contando histórias de declarações sentidas acompanhadas por ouvidos e sorrisos no alto de sacadas, em outros momentos ele vinha sorrateiro, me revelando trapaças e planos traçados na escuridão, e haviam os dias em que vinha violento, trazendo desavenças e pústulas da psiquê.

Hábil informante o vento, sentido e não visto, onipresente, de invejável memória.
Nada há na natureza que aprecie espalhar noticias mais do que ele, e assim o fazia, árvores e animais, homens e pedras, daqui até onde morrem os arco-íris, o vento seguia em sua função de falastrão. Às vezes ele me perguntava como me andava a vida, eu lhe respondia sem pestanejar, não poderia mentir, ele saberia, mas educado como era ainda se dava ao trabalho de dialogar comigo, desejando ouvir o que já sabia. Mas era preciso ser rápido para dialogar com o vento, sim, pois este jamais repetia uma notícia, era preciso um bom ouvido, cordialidade, a efemeridade da vida se mostrava em sua passagem, uma única citação de um único momento, depois, um novo fato haveria de se sobrepor a tudo, o vento não lhe recontará o passado, pois isso não o interessa.

E foi assim quando o estampido seco ecoou por aquele campo anunciando o final de meu caminhar, tudo acabara, eu só desejava alçar outros degraus, abandonar a dor e poupar a todo um mundo de se importar, e assim se fez.

Agora, o vento há de contar a história a quem puder ouvir, mas uma única vez, depois eu estarei nos quartos do efêmero, e a vida seguirá seu rumo. Provando não precisar de mim!

Comments

meu paredro said…
Eu falo com o vento

minhas palavras simplesmente somem.

eu falo com o vento, o vento não escuta.

O vento não pode escutar.

Boas entradas, doca.
Rayanne said…
Fabuloso, Doca.

Vento, sem esitar notícia
Rubro, sem aproximar malícia.

Mas a idéia, clara,
escurece as pétalas nos teus dedos
Como pesarosa acerca dos finais.
Também nessa vida
não podemos ser imortais?

**Estrelas.**
Rayanne said…
"Cadê o branco lençol na brisa
o bocejo pela manhã
O gato miando no teto
a interromper a minha escrita vã."

Ah, Doca. O vazio eterno de ser humano, a bomba oca que busca pulso par. É preciso, primeiro, saber sorrir só e bocejar lençóis brancos, afagar a escrita e imprimir um miado vão.

**Estrelas**
Rayanne said…
"Cadê o branco lençol na brisa
o bocejo pela manhã
O gato miando no teto
a interromper a minha escrita vã."

Ah, Doca. O vazio eterno de ser humano, a bomba oca que busca pulso par. É preciso, primeiro, saber sorrir só e bocejar lençóis brancos, afagar a escrita e imprimir um miado vão.

**Estrelas**
Rayanne said…
"Meu coração bate enlaçado
bate solto
amordaçado"

Doca!!!! É lindo demais este aqui!!! Lindo que dói, chega a quase dar inveja!
Único, batendo tímido, tão natural.

Perfeito.

**ESTRELAS!**

**PS:. seria legal se você pudesse selecionar para aceitar comentários após cada nova postagem...
Anonymous said…
Ah sim, finalmente encontrei o local para comentar. Antes tarde do que nunca, não é mesmo?

O texto é maravilhoso, já te falei pelo msn todas as emoções que ele me remete.

"Mas de qualquer forma estava em meu lar, com seus quadros imaginários pintados de sonhos que hoje estão a se desbotar, a sala sem móveis, a condenável bagunça na cozinha, o de sempre."

E essa parte traz lembranças tão vivas, tão incrivelmente vívidas, que parecem fotos presas com alfinete no meu caderno de lembranças.

Boas lembranças, pelo menos.
Anonymous said…
Ah, só para constar.
Resolvi postar no meu também. Sei lá, ler me animou.

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