Starry, starry night


(Olho pela janela. A cidade já parece tão distante e irreal)

Starry, starry night
Paint your palette blue and grey....

Linda canção, não Vincent?
Não tão doce quanto os demônios quadricromáticos que zuniam por orelhas
fendidas.
Fendidas como minha alma, que derrama-se frente a tua inspiração, como o consolo
que antecede a partida.

A partida carregada com sua loucura, sua loucura trazida pelas mãos de um anjo
de cabelos em fogo, que me fez desejar imediata morte, e que não atendeu meu
pedido...

... Look out on a summer's day
With eyes that know the darkness in my soul...

(Em frente à minha janela, um cipreste arde em direção ao céu. Chamas negras,
tochas d’alma...)

Queria o encontro ao final da procura, uma rápida troca de olhares antes dos
corvos se levantarem em vôo fúnebre por entre os campos de trigo, o sentimento
que enternece os últimos passos, como se nunca houvesse o peso da meia-luz, que
adorna meu espírito.

(..sombras que prenunciam a eternidade...sombras em palha a espantar corvos
famintos...que perversamente me observa, que me intimida e oprime...que me
mantém refém da densa loucura)

... Shadows on the hills
Sketch the trees and daffodils
Catch the breeze and the winter chills
In colours on the snowy linen land...

Existem sombras também entre os vales de meu corpo, cores desordenadas que
colidem e gritam freneticamente por um alento. Sim, eu me vejo em sua dor, sinto
cada pincelada a cortar-me como um exército de navalhas. Por que não posso fazer
de meu inferno algo tão lúdico?

(Minha resposta vem em forma de uma única lufada de insano vento, que faz tremer
os vidros, arrepiar a pele e em redemoinho faz dançar as estrelas no palco de
turbulenta imensidão...imensidão fria como a pele daquela que me roubou a réstia
final de humanidade)

... Now I understand
What you tried to say to me
And how you suffered for your sanity
And how you tried to set them free
They would not listen
They did not know how
Perhaps they'll listen now...

Tardiamente vejo o oceano celeste em fúria. Gritava você por socoro como meu
corpo o faz agora? Sentia você os punhos da solidão como eu sinto agora? Se por
um único instante fomos iguais, então estou resignado, pois gargalharei na saída
para ouvidos surdos!

... Starry, starry night
Flaming flowers that brightly blaze
Swirling clouds and violet haze
Reflect in Vincent's eyes of china blue
Colours changing hue
Morning fields of amber grain
Weathered faces lined in pain
Are soothed beneath the artists' loving hand...

Queima-me a força dessa forma, convida-me a rodopiar em fúria para órbitas
distantes, eternizo-me, e etéreo volto para ser exorcizado em agressivos
pincéis; desejo dilacerar tal como fui, enegrecer-me no nada, expandir-me em
segredo e, em segredo, como tu, cohabitar nos jovens corações abertos ao
desepero.

...For they could not love you
But still your love was true
And when no hope was left inside
On that starry, starry night
You took your life as lovers often do
But I could have told you Vincent
This world was never meant for one as beautiful as you...

E quem pode amar?
Quem responde?
Vejo uma avalanche pictórica, um céu a desabar sobre cabeças inócuas entretidas
com romances holywoodianos, suspiros vazios de emoção imagética.

... Like the strangers that you've met
The ragged men in ragged clothes
The silver thorn of bloody rose
Lie crushed and broken on the virgin snow...

Esfarrapadas estarão minhas roupas, meus vícios, minha fé, esfarrapado estou eu,
um indigente dos nobres sentimentos, sequioso por paz em lugares distantes.
Alguém me amará como Theo o amou?

Alguém amará como eu a amei?

Alguém amará como os seres que corriam em meio aos corvos?

... Now I think I know
What you tried to say to me
And how you suffered for your sanity
And how you tried to set them free
They would not listen
They're not listening still
Perhaps they never will...

Sofremos juntos, nossas almas se tocam, que permaneçam cegos os caminhantes
dessa esfera, espere-me amigo, de braços abertos e telas prontas, esse corpo
nada mais significa, e com ele hão de ficar as horas em vão na busca de um
sentido, um mistério de amor...

(Ouço uma estrela sussurrar meu nome, a lua a me chamar. E num crescendo de sons
e tons, ouço-os todos gritar em uníssinos solos de estridente guitarra e
raivosas pinceladas sobre a tela, nas batidas de um coração descompassado: “é
chegada a hora!”)

E eu a agradeço por uma fração de segundo, por ter me trazido você vincent,
junto a todas as dores...

Caído por fim, olho-me com escárnio e ternura.
Acabou!
Hoje eu tomarei meu lugar na noite estrelada

Starry, starry night

Comments

Anonymous said…
every day is like sunday
every day is silent and grey..
MMartinelli said…
uma das coisa mais lindas que já ouvi na vida... meu pintor preferido, do coração.

Popular Posts