E o Burro Viu o Anjo...

Lembro-me do frio que cortava almas
Num solitário e negro inverno
em meus ouvidos promessas doces
na voz que encarnava algum demônio
assassino.

Nas ruas um pastor pregava
Sobre uma realidade que só existia nos porões da fé dos inocentes
Ainda sentia o aroma ácido do sangue
e o sabor fino de afiada lâmina.

Eram tempos de esperança aqueles
Sorrisos nasciam fáceis de transeuntes sonhadores.



Mas eu também sonhava.


Com o ressoar dos sinos e o convocar da assembléia
Era hora de construir um mundo de homens
Sem as ilusões de guerreiros adolescentes em suas calças negras e justas
O sagrado estava quase palpável nas camadas de vento.

Vagarosamente meu olhar procurava a alcatéia
E meus sentidos procuravam as vítimas.
“Não se arrependa ou chore” disse aquele anjo.

Enquanto envolvia meu corpo entre suas asas
“Você será minha mais doce
blasfêmia”
Eu apenas aceitava enquanto secava minhas lágrimas.

Queimando por dentro
E pelo ar qual sonâmbulo celeste
O vapor úmido de batalhas vencidas e as campinas cheias de corpos.


Mas eu também despertava.



Para o asfalto com seus pequenos jardins embranquecidos pela geada
Para o mesmo ódio a doer como uma úlcera
o lábio mordido em ansiedade pequeno fio de sangue.

Anoitecedo.
Deixarei a janela aberta
Lobos e demônios festejarão na penumbra sua canção mais tenra.

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